O período da pandemia de Covid-19 impactou profundamente nossa saúde mental. Enfrentamos uma ameaça comum, vivemos o isolamento social, lidamos com o luto, com preocupações e com mudanças em várias áreas da vida. Tudo isso veio acompanhado de sentimentos como medo, insegurança e ansiedade.
Ao mesmo tempo, a saúde mental ganhou espaço. Nunca se falou tanto sobre o tema. Reportagens, posts nas redes sociais e mensagens em grupos de WhatsApp passaram a tratar do aumento de casos de depressão e transtornos de ansiedade. A impressão que ficou foi de que a emergência sanitária global deixou uma nova crise: uma pandemia da saúde mental.
Mas será que estamos, de fato, vivendo uma nova pandemia?
Essa foi a pergunta que guiou a aula inaugural do Projeto Ame Sua Mente na Escola realizada com educadores da rede pública de Santos. O encontro contou com a participação do presidente do Instituto, o psiquiatra e neurocientista Rodrigo Bressan. Durante a conversa, ele esclareceu pontos importantes sobre depressão e ansiedade — dois temas que afetam milhões de brasileiros. A seguir, confira trechos dessa conversa.
O que é saúde mental?
Estamos o tempo todo negociando com as nossas emoções, causadas pelos diferentes estímulos, eventos ou momentos da vida. Estresse, tristeza, medo, raiva… todas essas emoções fazem parte da saúde mental.
O problema de saúde mental acontece quando o estresse aumenta um pouco, ficando mais difícil enfrentar uma questão. Por exemplo: quando você tem uma prova importante, uma dificuldade na relação, uma doença na família. A duração e intensidade dos sintomas, como irritação, ansiedade, insônia ou tristeza é um pouco maior, mas estamos sempre negociando com esses estados.
Já no caso de um transtorno mental, normalmente ocorre a impossibilidade de superação daquele sentimento e este estado mental fica com uma intensidade que causa um impacto importante na vida da pessoa, durante um período maior. Assim, o transtorno acaba por definir esse indivíduo, se misturando com seu comportamento e a doença vai se solidificando, se não tratada adequadamente.
Houve um aumento do número de pessoas com transtornos mentais, nos últimos anos?
Nos últimos anos, vimos crescer a venda de medicamentos psiquiátricos. As consultas também aumentaram. No entanto, isso não significa que os transtornos cresceram no mesmo ritmo. É verdade que os casos de depressão, ansiedade e suicídio entre jovens aumentaram. Porém, os dados não apontam para uma nova pandemia. O que mudou foi a visibilidade. Hoje, fala-se mais sobre o tema. Isso ajudou a romper o estigma e incentivou mais pessoas a buscar apoio profissional. E isso é positivo.
Apesar da venda de remédios psiquiátricos e consultas terem aumentado, de acordo com algumas pesquisas, o número de transtornos mentais não demonstrou o mesmo crescimento. O que ocorreu foi outra coisa: muitas pessoas que já tinham alguma demanda psicológica reprimida passaram a procurar ajuda. É verdade que existe um aumento dos casos de ansiedade e depressão, assim como taxas de suicídios entre os jovens. Porém, os dados não apontam para uma nova pandemia. O que mudou foi a visibilidade. Hoje, fala-se mais sobre o tema. Isso ajudou a romper o estigma e incentivou mais pessoas a buscar apoio profissional. E isso é positivo.
Como esse período de isolamento social impactou adolescentes e crianças?
Essa questão é muito importante. Para um adolescente, 1 ou 2 anos fazem muita diferença. Já para um adulto, esse tempo parece menor. No caso dos jovens, esse período coincidiu com uma fase essencial: a construção da identidade. Hoje, não há mais juventude sem pandemia. E esse período representa uma janela importante na construção da individualidade dos adolescentes. O tempo em que houve isolamento, com aulas online, privou crianças e adolescentes da convivência escolar.
Porém a escola não é só um lugar de aprendizado acadêmico. É também um espaço de trocas, conflitos e socialização. Isso tudo contribui para o desenvolvimento emocional. Sem essa vivência, muitos jovens voltaram para a escola despreparados. Tiveram dificuldade para manter a atenção, seguir as aulas e fazer provas. Podemos dizer que eles “desaprenderam” a rotina de ensino presencial. Além disso, fatores estressantes que já existiam antes da pandemia ficaram ainda mais intensos nesse contexto.
A depressão é genética ou causada por fatores ambientais?
É muito interessante olhar por essa perspectiva. A grande maioria das doenças têm componentes genéticos e ambientais. Vamos usar um exemplo: se uma criança de 6 anos desenvolve diabetes, a genética teve grande peso. Afinal, ela ainda não teve tempo de adotar hábitos ruins, como sedentarismo ou alimentação desequilibrada.
Por outro lado, se uma pessoa de 60 anos, sedentária e obesa, desenvolve diabetes, o ambiente foi mais determinante. O mesmo vale para os transtornos mentais. Existe sempre uma predisposição genética, mas o ambiente pode reforçá-la ou não. Relações familiares, traumas, estresse e estilo de vida também influenciam muito. Por isso, é fundamental entender complexidade de um transtorno. Precisamos analisar todos os fatores e agir em várias frentes, compreendendo toda a abrangência do fenômeno.
Vivemos no país mais ansioso do mundo. Como podemos identificar uma questão de saúde mental? Como prevenir?
Quando a gente fala “ansiedade” falamos de um sintoma. Por exemplo: “Eu estou ansioso para dar aula aqui”; “Estou ansioso porque meu filho não chegou em casa e já é meia-noite”. Ter ansiedade faz parte de uma forma saudável de viver o dia a dia. Ela é um sintoma adaptativo, ou seja, quanto maior o estímulo, maior será a ansiedade que teremos. Mas quando esse sintoma passa a incomodar, ficando desproporcional e prejudicando as tarefas ou relações de alguém por considerável período, temos o transtorno de ansiedade propriamente dito.
A procrastinação é uma das consequências da ansiedade e da depressão?
Sim. A procrastinação pode surgir em diferentes situações, especialmente quando estamos ansiosos ou deprimidos. É aquela sensação incômoda: você sabe o que precisa fazer, mas não consegue. Aí surge uma desculpa, uma distração, e a tarefa fica para depois. Isso gera angústia. E, logo em seguida, vem a culpa. Assim, se forma um ciclo vicioso: não faço, me sinto culpado e ao me sentir culpado, mais difícil fica de eu fazer.
Essa dinâmica só dificulta a ação.A melhor coisa é ter um pouco de autocompaixão. Se eu consigo aceitar que eu não estou dando conta, é mais fácil eu me tranquilizar e conseguir fazer a tarefa do que se eu ficar me punindo. A culpa gera um círculo vicioso difícil de quebrar.
Como abordar um colega de trabalho que pode estar com problemas de saúde mental?
O apoio entre colegas pode fazer toda a diferença. Estudos mostram que o suporte de pares tem grande eficácia no enfrentamento de questões emocionais. Quando uma pessoa escuta com atenção e empatia, ela já está ajudando. Mas, uma coisa “chave” é achar que pode resolver tudo. Alguns casos exigem ajuda especializada. Por isso, vale sugerir, com cuidado, que a pessoa procure um psicólogo, um psiquiatra ou outro profissional da saúde mental. O mais importante é não minimizar o sofrimento e oferecer apoio com respeito.
Você poderia falar um pouco sobre autocuidado no contexto de saúde mental?
A mensagem principal quando a gente está falando de saúde mental é essa ideia da gente palpar a nossa mente. “Como é que eu estou me sentindo? Até onde eu vou? Até onde eu consigo ou não consigo?”. Esse olhar pode ser facilitado com a ajuda de quem está por perto. Um familiar, amigo ou colega pode perceber mudanças em nosso comportamento. Frases como “Você está mais irritado…” podem nos alertar. Isso nos ajuda a refletir, a nos autorregular e a buscar equilíbrio.
Além disso, o manejo do tempo é fundamental. Em vez de fazer tudo no automático, é importante parar e refletir: Qual é a minha prioridade? Eu costumo dizer que tenho um privilégio, que é de trabalhar com algo que, para mim, tem propósito. Porém, nessas horas é preciso ter clareza sobre nossos limites. Pois trabalhar com algo que tem propósito é valioso, mas exige consciência e equilíbrio. É preciso saber a hora de parar, descansar e reorganizar o ritmo. Para isso, é bom ter ajuda de quem está perto, que nos enxerga de fora para dentro. Às vezes, um companheiro, um familiar próximo, amigo ou até mesmo um colega de trabalho pode falar “Pô, você está mais irritado …” Isso ajuda a gente a se auto regular e buscar estratégias para restabelecer o equilíbrio.
* O projeto Ame Sua Mente na Escola visa o letramento de profissionais da educação, para que esses agentes possam se tornar aliados na promoção da saúde mental, combate ao estigma e prevenção de transtornos mentais no ambiente escolar.
Cuidar da mente é cuidar da gente. Quanto mais cedo, melhor!
Clique aqui e assista, na íntegra, a nossa aula inaugural com o Dr. Rodrigo Bressan, utilizada como base dessa matéria de blog.