
Nos últimos anos, o ato de brincar tem tido cada vez mais a concorrência das telas. O avanço do mundo digital ocorre em meio a um cenário de maior insegurança e à escassez de praças e parques nas grandes cidades. Além disso, à medida que a criança avança na escola, as atividades obrigatórias e extracurriculares se acumulam, reduzindo ainda mais o tempo destinado às brincadeiras. Como resultado, o espaço do brincar tem se tornado cada vez mais limitado no cotidiano infantil.
Certamente, você tem uma ou mais brincadeiras que marcaram a sua infância. Por isso, é importante compreender o contexto atual e, assim, garantir que as crianças de hoje também possam brincar e construir — além de memórias — tantas outras bases essenciais para crescerem com saúde.
A importância do brincar
Brincar é fundamental para o desenvolvimento infantil. Isso acontece porque, durante os momentos de diversão, não apenas favorecemos o desempenho físico, mas também estimulamos o raciocínio, a criatividade e a imaginação. Os impactos positivos incluem ainda o desenvolvimento socioemocional, já que as brincadeiras coletivas facilitam o convívio social e demonstram às crianças a importância das regras e limites.
Não é exagero afirmar que brincar “é coisa séria”. Prova disso é que a Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomendam que profissionais de saúde “receitem” brincadeiras diárias às crianças.
O brincar e a saúde mental das crianças
De acordo com um estudo publicado no Journal of Child Psychology and Psychiatry, crianças de 3 a 4 anos que brincaram por 15 minutos apresentaram metade do nível de ansiedade daquelas que apenas ouviram uma história contada pelo professor no mesmo período. Esse resultado demonstra, portanto, o quanto o brincar pode atuar como um importante regulador emocional desde os primeiros anos de vida.
Tal efeito ocorre devido à influência direta das atividades lúdicas sobre o córtex pré-frontal — região do cérebro relacionada às funções executivas e às características psicológicas. Além disso, o ato de brincar também contribui para a formação de neurônios e estimula, de maneira significativa, a liberação de neurotransmissores ligados à sensação de prazer e bem-estar.
Consequentemente, esses fatores impactam de forma positiva o desenvolvimento cerebral e favorecem o equilíbrio emocional.
Isso é especialmente relevante porque a infância representa o período de maior neuroplasticidade do cérebro — ou seja, a fase em que ele mais aprende, se adapta e se transforma.
Por outro lado, diversos estudos sugerem que os problemas de saúde mental estão relacionados ao uso excessivo de telas. Esses achados, portanto, reforçam a importância de frear essa tendência e de buscar, de maneira equilibrada, uma convivência mais saudável entre tecnologia e experiências presenciais.
Em síntese, equilibrar o tempo diante das telas com momentos de brincadeira é essencial para preservar o bem-estar emocional, bem como fortalecer os vínculos afetivos que sustentam o desenvolvimento infantil.
📖 Leia também: Telas fazem mal às crianças e adolescentes?
Tipos de brincadeiras e dicas para promover o brincar
Segundo a Academia Americana de Pediatria, as brincadeiras podem ser divididas em quatro grandes grupos:
1. Manuseio de objetos: esse tipo de brincadeira é essencial, pois desenvolve a coordenação motora, aprimora a comunicação, ao mesmo tempo que estimula o pensamento abstrato. Além disso, permite que a criança explore diferentes formas, cores e texturas, despertando a curiosidade e a criatividade. Exemplos: brincar de carrinho, bonecos, blocos, massinha, argila, pintura com diferentes materiais ou elementos da natureza como terra, areia e água.
2. Faz de conta: essas brincadeiras favorecem a imaginação e a empatia, pois ensinam a negociar regras e estimulam tanto o planejamento como a resolução de problemas. Assim, as crianças aprendem a se colocar no lugar do outro e a lidar com diferentes perspectivas. Exemplos: brincar de casinha, criar histórias com bonecos, usar fantoches ou ainda representar papéis inspirados no dia a dia.
3. Atividades locomotoras: fortalecem a inteligência emocional e também ajudam a lidar com vitórias e derrotas. Como resultado, contribuem para o desenvolvimento da autoconfiança e da resiliência. Paralelamente, estimulam o corpo e a mente de forma integrada. Exemplos: andar de bicicleta, brincar de esconde-esconde, ciranda, pular corda, bambolê, amarelinha e peteca.
4. Brincadeiras ao ar livre: essas atividades são particularmente importantes, pois reforçam amizades, ampliam o conhecimento social e linguístico e, ainda, ajudam a controlar impulsos. Com isso promovem o bem-estar físico e emocional, fortalecendo os vínculos sociais. Exemplos: mímica, telefone sem fio, pega-pega, cabo de guerra, caça ao tesouro, explorar a natureza com os amigos.
5 dicas para garantir o brincar na rotina das crianças
- Incentive a criança a brincar ao ar livre e a desfrutar do contato com a natureza.
- Estimule o espírito aventureiro da criança, deixando claros os limites para não colocá-la em risco.
Procure limitar as atividades extracurriculares e garanta um tempo livre todos os dias.
Dê liberdade para que ela crie suas próprias brincadeiras, sem orientações constantes.
Se faça presente nas brincadeiras e interaja com a criança.
📖 Quer entender melhor como cuidar da saúde mental das crianças? Leia a matéria Primeira infância e competências socioemocionais
Confira dicas de brincadeiras por faixa etária
0 – 2 anos
O que fazer: caretas, sons, músicas com palmas, “cadê–achou”, brinquedos de causa e efeito.
Por que ajuda: fortalece tanto a linguagem quanto o vínculo. Bebês aprendem quando o adulto responde às suas interações.
2 – 3 anos
O que fazer: vestir fantasias, dar “comidinha” às bonecas, usar caixas como brinquedos, chutar bolas, montar blocos, ler livros ilustrados.
Por que ajuda: estimula a linguagem, imaginação e coordenação; além de regular o humor.
📚 Ler para as crianças de qualquer idade é sempre uma boa ideia! Confira o texto O poder do livro no universo infantil
4 – 5 anos
O que fazer: desenho livre, colagem, dança com pausas (“Estátua!”), esconde-esconde, jogos simples e culinária fácil.
Por que ajuda: estimula a paciência, bem como o controle de impulsos; já as atividades artísticas reduzem a tensão, além de estimular a imaginação e a expressão das emoções.
6 – 8 anos
O que fazer:caça ao tesouro, circuitos de movimento, jogos de tabuleiro, montar cidades com blocos.
Por que ajuda: desenvolve tanto o planejamento, assim como a negociação, o foco e a regulação da ansiedade.
9 – 12 anos
O que fazer: projetos “faça você mesmo” (horta, slime, origami), jogos de estratégia, fotografia, teatrinho, trilhas ao ar livre.
Por que ajuda: consolida funções executivas, estimula a criatividade e reduz o estresse.
Nota importante: As telas podem participar das brincadeiras como ferramenta — para fotografar, filmar uma contação de história ou registrar um teatrinho —, mas não devem ser o centro da experiência.
Leia mais sobre o assunto em: Telas: elas fazem mal às crianças e adolescentes?
Usar a criatividade, criar oportunidades e estar presente nas brincadeiras com crianças e adolescentes são atitudes que fazem toda a diferença. Afinal, esses momentos não beneficiam apenas os pequenos — eles também fortalecem vínculos, aliviam o estresse e despertam o lado lúdico dos adultos.










