Realidade virtual, sofrimento real

O chamado Social Media Day ou Dia das Mídias Sociais, em português, foi criado para celebrar os impactos positivos das redes sociais no mundo e na sociedade. Comemorada no dia 30 de junho, a data foi criada em 2010 pelo site Mashable, portal americano de notícias sobre tecnologia e negócios. A revolução trazida pelas redes sociais é inegável, mas paradoxalmente os aspectos negativos dessa nova forma de se relacionar também são evidentes. No caso das crianças e adolescentes, isso é ainda mais significativo.

Estudos ao redor do mundo apontam para uma crise de saúde mental ancorada na relação que os jovens têm com os canais de mídia social como Instagram, Facebook e TikTok. Em seu depoimento para o Comitê Judiciário do Senado dos EUA, que avalia o impacto negativo das plataformas e a responsabilidade das corporações que as controlam, o psicólogo da NYU, Jonathan Haidt, destacou alguns pontos que merecem atenção. Ele esclareceu que a saúde mental dos adolescentes ao redor do mundo teve uma piora considerável a partir de 2010, coincidindo com o crescimento das mídias sociais. Foi percebido um aumento importante dos transtornos de humor, como ansiedade e depressão.

Existem várias explicações para os adolescentes serem mais suscetíveis aos efeitos nocivos das mídias sociais. A imaturidade do cérebro e a propensão a copiar comportamentos estão entre os fatores identificados por diferentes pesquisas. A adolescência é ainda uma fase mais vulnerável por se tratar de um momento de construção de identidade, quando a busca por um sentimento de pertencimento é ainda maior. O tempo de exposição é outro ponto significativo. Com uma permanência online cada vez maior, as mudanças comportamentais e as consequências cognitivas e emocionais também se tornam mais graves, acarretando problemas relativos à atenção, depressão e ansiedade.

Um relatório recente do órgão regulador de comunicações do Reino Unido apontou que crianças e jovens entre 3 e 17 anos já são usuários assíduos das redes sociais. Segundo a pesquisa, a proibição de uso para menores de 13 anos, estabelecida pelas próprias plataformas, não é um impeditivo real, e a maioria deles já tem um perfil próprio antes de completar essa idade. Cerca de 30% das crianças entre 5 e 7 anos está presente em ao menos uma plataforma, o número sobe para 60% na faixa etária de 8 a 11 anos e chega a 89% entre 12 e 15 anos. Outro dado alarmante é o fato de que 62% dos participantes acima de 8 anos afirmaram ter um perfil conhecido pelos pais e outro apenas para amigos. O levantamento ainda descobriu que cerca de 16% das crianças com idade entre 3 e 4 anos assistem vídeos no TikTok.

Outro estudo, realizado por cientistas do Reino Unidos e da Holanda, demonstrou como a utilização destas plataformas pode afetar o bem-estar e o desenvolvimento de meninos e meninas. O artigo, publicado na revista Nature Communications, comprovou o comprometimento da saúde mental de adolescentes, em especial de meninas. A pressão sofrida por elas pode ser vista de forma clara já a partir dos onze anos, já os efeitos negativos são percebidos em garotos um pouco mais tarde, entre 14 e 15 anos. O uso intensivo das redes tem impacto na autoestima, na percepção do próprio corpo e na satisfação que crianças e adolescentes têm com a própria vida.

Extremismo e agressividade

Não é difícil perceber como os ânimos se tornam facilmente acirrados em discussões online. O distanciamento físico e a possibilidade de anonimato facilitam o extremismo, o que ficou comprovado em uma pesquisa da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). O levantamento concluiu que radicais violentos utilizam a internet para atrair pessoas, divulgar conteúdo e abrir um canal de diálogo com jovens. Segundo a agência, as plataformas não causam comportamentos violentos, mas facilitam processos de radicalização. A avaliação de mais 550 estudos levou a Unesco a concluir que tais aplicativos são utilizados para disseminar o medo entre internautas e polarizar sociedades. O achado é semelhante ao afirmado por jovens participantes da terceira edição da Pesquisa Juventudes e Conexões. De acordo com o estudo feito no Brasil, 58% dos entrevistados acreditam que a internet piorou a agressividade e o extremismo e 34% preferem não publicar as próprias ideias com medo de retaliação.

O tema é fonte de preocupação no mundo todo. No Reino Unido, por exemplo, a iniciativa Internet Matters, busca auxiliar pais e educadores oferecendo recursos, informações e suporte para manter crianças e adolescentes seguros no ambiente online. O site afirma que a radicalização leva indivíduos, geralmente jovens, a apoiar visões ideológicas extremas e os torna mais propensos a apoiar atos violentos e até a cometer ações criminosas. O processo, segundo o portal, pode acontecer no ambiente offline, mas foi facilitado com o acesso à internet, especialmente às redes sociais.

A violência virtual não está presente apenas por meio de grupos terroristas. Prova disso é o crescimento do chamado cyberbullying, ou assédio virtual. Definido como o comportamento repetido com intuito de assustar, enfurecer ou envergonhar as vítimas por meio de tecnologias digitais, é um enorme desafio para pais e educadores.

Segundo uma pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), um em cada três jovens relata ter sido vítima de cyberbullying em pelo menos 30 países, e a pesquisa aponta a alarmante estatística: cerca de um em cada cinco jovens deixou a escola porque sofreu cyberbullying. O relatório produzido pela organização, chamado de U-Report, aponta que as redes sociais são o principal local onde o cyberbullying ocorre.

Superexposição infantil

Outro fenômeno que chama a atenção de especialistas é a exposição de crianças nas redes sociais por seus pais. Estudos indicam que tal atitude, aparentemente inocente, pode ser uma ameaça à intimidade e ao direito à imagem conforme estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Por isso, psicólogos chamam a atenção dos adultos, especialmente dos pais, quanto à publicação de acontecimentos da vida privada dos filhos. O fenômeno, que foi batizado como sharenting, uma junção das palavras share (compartilhar) e parenting (paternidade), traz perigos ao desenvolvimento infantil, podendo gerar uma necessidade de aprovação e visibilidade, baixa autoestima e ansiedade, além de colocar o menor em uma situação vulnerável para o cyberbullying e o aliciamento.

Mal para a saúde e para o bolso

Além de impactar a mente, as redes sociais ainda representam um risco para o bem-estar financeiro das pessoas. É o que mostra um trabalho da Universidade de Pittsburgh que demonstrou que usuários frequentes de redes sociais tendem a ter níveis mais elevados de endividamento.

Isso acontece porque ao ver fotos e posts de amigos a pessoa se sente estimulada a repetir tal comportamento consumindo os mesmos produtos e visitando os mesmos destinos.
Além disso, a facilidade em adquirir produtos e serviços online contribui para o fenômeno. E quanto mais visual a rede, maior o efeito. Segundo dados publicados pelo portal Fast Company, o Pinterest, cuja plataforma é ancorada em imagens, tem uma compra média por clique duas vezes maior que o Facebook.

Uma pausa necessária

Ainda assim, continuamos irrevogavelmente presos ao apelo das redes. Muitas vezes, checamos nossos perfis de forma tão automática que nem percebemos como elas estão nos afetando. Por isso, antes de mergulhar de cabeça nas redes sociais faça as seguintes perguntas a si mesmo:

Que tipo de atividades você está deixando de fazer para ficar pendurado no mundo virtual?
Está interrompendo trabalho ou momentos de interação com outras pessoas para checar notificações? Tem perdido prazos e horários por conta disso?
Ficar online fez você aprender algo diferente? Fez você se sentir uma pessoa melhor?
Você se sente facilmente irritado com as postagens ou comentários de outras pessoas, entrando frequentemente em discussões nas redes sociais?
Quais sentimentos são despertados ao navegar pelas redes?
Como se sente depois de passar 30 minutos nas mídias sociais? A sensação é de ganho ou perda de tempo?

Seja sincero nas suas respostas e avalie se não é hora de tirar férias das mídias sociais. E não é necessário abrir mão completamente deste universo. Um estudo recente publicado na revista Cyberpsychology, Behavior, and Social Networking mostra que uma pausa de uma semana é suficiente para melhorar a saúde mental, com impactos positivos em sentimentos de ansiedade e depressão.

“Se (ao consultar seus aplicativos) você sentir tensão, dor ou dificuldade para respirar fundo, é hora de desligar,” afirmou Alison Holman, da Universidade da Califórnia, em entrevista para o portal Healthline.

Fique de olho! Monitorar e limitar o acesso é sempre a melhor estratégia. Quanto mais você souber a respeito das interações da sua criança nas redes, mais rapidamente conseguirá lidar com potenciais problemas.

Veja, a seguir, boas práticas:

Crie um ambiente propício para o diálogo. Problemas virtuais costumam ser um reflexo de questões maiores. Converse sempre e não tenha medo de abordar temas sensíveis. É importante deixar claro que o mundo online não é uma representação fiel do mundo real.
Determine pausas, horários e regras claras para o uso de eletrônicos.
Promova vivências fora da internet. Desconectar é fundamental para que as redes sociais não sejam tão importantes na vida dos jovens. Atividades físicas e culturais são fundamentais para manter as crianças ativas e engajadas.
Seja o exemplo. Lembre-se que o seu comportamento será um ponto de partida importante. Não adianta proibir o uso do celular na mesa e ficar checando mensagens durante as refeições, por exemplo.

Vale lembrar que, além das questões de bem-estar relacionadas às redes, o excesso de telas já é suficiente para trazer prejuízos significativos, especialmente na infância e na adolescência. Veja aqui como a tecnologia impacta a saúde da mente.

Como sempre, a moderação é o melhor caminho.

© 2023 por Ame sua Mente

Ame sua mente
logo_l

©2023 por Ame sua Mente